01/01/08

Ano Novo, Fluxo Novo

O vento sopra e a chuva cai seriamente lá fora, abençoando o primeiro dia do ano.

E cá dentro? Aqui dentro?

Fecho os olhos para me "ver" melhor. Sinto que a chuva lava profundamente os resíduos de antigos bloqueios e que o vento leva para longe os véus que me "disfarçaram". São as cortinas das janelas da minha vida, que impediram o sol de entrar. Agora, sem cortinas, posso finalmente admirar os pormenores - bem conservados, aliás - daquele quarto escondido dentro de mim, que recusei visitar.

Na realidade, é um quarto vazio. E esse facto ter-me-ia feito tremer de medo, não fosse a incrível sensação de tranquilidade que me preenche. Para onde foram as boas experiências da minha vida? E os meus amores, paixões e projectos? Tudo o que me fez suspirar, de antecipação ou de lembrança? Os momentos de plenitude ou sucesso? (Ups, all gone with the wind...)

Convido-me a observar a minha existência como uma longa estrada, enriquecida ao atravessar vários territórios. Se alguns trajectos foram planos, claros e com uma doce paisagem, alguns, por oposição, levaram-me a terras altas, a caminhar por trilhos apertados, irregulares e com ravinas tão profundas que me fizeram sentir as maiores vertigens. Mas concluo, que a minha tendência vai para os percursos acidentados, sem dúvida. E não poderia ser de outra forma! Retrospectivamente, consigo perceber o resultado da experiência, mas jamais conseguirei reconstituir a quantidade de força, ousadia e coragem de que necessitei para concluir essas travessias. E que direi daqueles que encontrei para me acompanharem? Daqueles que apareceram para me desafiar, para me dizerem o que eu queria esconder, mas também quem me amou de todas as formas (doce, suave, rebelde, irreverente, selvagem...), quem eu amei declarada ou silenciosamente...

Pois, reflexos multicolores numa tela que, simplesmente, deixou de existir. O desafio é uma tela em branco. A beleza é que somente numa tela em branco eu poderei pintar o que, agora, desejo. O fascínio, é dar-me a liberdade - consciente - de pintá-la só ou acompanhada.
Mas a minha palete mudou; possuo agora mais cores, de muitos cambiantes, outras qualidades e demais acessórios capazes de transformar a minha existência na minha derradeira obra de arte. Ou como eu dizia hoje a um amigo: quando se aprende a jogar xadrez e, sobretudo, a ter prazer em jogá-lo, como sentir prazer a jogar ao galo?
Quem disse que aquilo que tentamos ensinar não é para nós?

Deixo-me, hoje, com um sussuro da alma escrito no inicio de todo este processo:

Abraços eternos e ternos, À luz de todas as luas de todos os tempos ; Fomos nascente, rio e cascata, Fomos animal e dele a lã, e dela o agasalho, E de novo o abraço, pleno de doçura e conforto ; Fomos terra, montanha, árvore, E delas as folhas, as flores, a fibra, Que mantém segura a casa, Fomos fogo que funde metais, Que abraça o clã e traz a luz de volta a todas as estações, Somos assim Sol e Lua, Num momento um, num momento outro, E a simplicidade espreitando entre os dois tempos !

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