06/01/08

Celebração de Inverno

Cheira a terra e a folhas molhadas. A penumbra indica-me que estou numa floresta densa.
Cânticos desenham-se no espaço e finalmente chegam aos meus ouvidos, fazendo o meu coração bater mais ritmado.
Observo o que me envolve, despida de conceitos ou julgamentos. Estou num círculo de pessoas. Meio circulo formado por homens, e outro por mulheres. A roupa que os veste é simples, longa, confortável. Trazem consigo acessórios estranhos a esta minha existência: bastões, esferas e arcos de madeira. Os seus olhares são tão serenos, que os sinto vibrar entre cada pulsação. Os seus cabelos estão adornados com folhas e flores.
Sou transportada para a dimensão de um ritual sem tempo.
Estou no centro dessa roda de gargantas que cantam, de corpos que se embalam, de corações que celebram. Nesse centro de vida. Tudo pulsa, a própria floresta pulsa, o meu corpo pulsa...
No centro, um altar de pedra, fixo, sem idade, alinha-se para a celebração. Presido a essa cerimónia, vestida das cores da terra. Na minha pele sinto a caricia desse tecido antigo e suave. Cheiro a madeira de sândalo. Inebrio-me...
Lembro-me de ter bebido um chá de flores sagradas, doce, e de queimar outras que encheram o ar de um perfume raro. Sou conduzida a um corredor de luz dentro do meu ser.
Entre cânticos e danças, quase não toco o chão, apesar de jamais ter sentido as minhas raízes tão presentes. Um dos homens entrega-me uma taça de madeira cheia de água cristalina, e dentro dela um athame, que abençoo e coloco no lado esquerdo do altar. Uma das mulheres entrega-me uma taça com cascas de árvores e folhas. O seu lugar é o lado direito. Pouso-a suavemente. Contemplo a forma que se revela.
Dispo-me, e o que me cobre é escasso, precário, mas nem mesmo assim me sinto nua, apenas sinto a aragem eriçar-me a pele.
Três mulheres aproximam-se, trazendo duas taças com um pigmento ocre, e uma delas, invocando a Grande Deusa, pinta o meu corpo: um círculo que abarca o meu ventre e um traço serpenteante que parte deste até ao centro do meu peito. A sensação é poderosa e absorve toda a minha consciência.
Com a delicadeza de uma pétala que cai, deito-me nesse altar de pedra. E alguém, que esperou o seu momento, repousa no meu ventre uma taça de fogo. Entrego-me ao espírito da Grande Deusa. Consagro-me inteiramente a ela. Encarno-a, simplesmente.
Uma explosão de estrelas nascem a partir de mim. Torno-me água, terra e fogo. Torno-me fecunda. Celebra-se, no meu centro, a vida. Ofereço-a ao universo inteiro.
E é assim que estou hoje. Celebro a vida, neste recolhimento de Inverno.

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