14/01/08

Sensha com pétalas de rosa e... xururu

Aqueci a água, rigorosamente a 70º, e, meticulosamente coloquei as folhas de sensha no bule. Deixei repousar, e acrescentei pétalas de rosa. Esperei tranquila, o momento certo. Servi uma taça e degustei.
E durante este deleite de sofisticação, entrei num turbilhão de reflexões sobre a diversidade. Numa espiral perfeita.
Vivemos num planeta onde a diversidade se revela e nos maravilha. Mas também nos ilude e confunde. Reduz e limita. Se quisermos, se não estivermos atentos.
E a distorção da diversidade conduz à adversidade. Se deixarmos, se estivermos não-conscientes, se acharmos confortável estarmos no nosso cubo bem definido.
O que é que nos conduz a essa distorção?
Maslow estabeleceu a célebre pirâmide das necessidades, e não foi um acaso estarem as fisiológicas na base de tudo.
Hoje em dia comportamo-nos (ilusoriamente) a partir de um filtro de auto-realização, pretendendo procurar o nosso potencial, auto-desenvolvendo-nos. Procurando em nós, nos outros e na vida a voz da consciência que nos diz para passarmos a ser mais e tornarmo-nos naquilo que queremos e podemos ser. E a coisa tem êxito, a ver pelo sucesso de vendas do "Segredo".
Depois, falamos imenso de auto-estima, ou seja de que forma me vejo e me avalio. Falamos, sobretudo, dos disfuncionamentos decorrentes da falta dela: bulimia, anorexia, desvalorização, diferentes tipos de neuroses. E este domínio faz as delícias de médicos, psicólogos, terapeutas e ervanárias com fórmulas e abordagens extraordinárias.
Fantasia-se, consequentemente, sobre as necessidades sociais, aumentando a quantidade e preterindo a qualidade. O verdadeiro delírio para os donos de bares, discotecas, clubes de encontro e de amizade e, incrivelmente, revistas cor-de-rosa.
E quanto à segurança, elas definem a nossa nossa necessidade de estabilidade, protecção contra ameaças ou privações e fuga ao perigo. Aqui, trememos, mas continuamos a compensar com as ilusões decorrentes da auto-realização, justificando o nosso (péssimo) relacionamento com os assuntos materiais como uma inerência ao desenvolvimento espiritual e pessoal. Que tremenda ilusão!
E, enquanto nos achamos muito evoluidos, as fundações de areia sobre as quais nos construímos, ruem devagarinho, desiquilibrando tudo, desmanchando tudo, revelando o que não está, nem nunca esteve, bem!
Essas fundações, que todos deveríamos ter consolidadas (como direito natural do facto de sermos seres humanos) independentemente de tudo o resto, gritam agora pelo seu reconhecimento na hierarquia estrutural do Ser, ou seja, manifestam-se nos dominios social, de segurança, de auto-estima e de auto-realização.
As pessoas alimentam-se (muito mal) ignorando as mais elementares regras de saúde, em nome de uma boa e falsa auto-estima, regendo-se por imagens fabricadas sobre a idealização da beleza e obrigando-se a padrões estéticos incoerentes com a sua biologia e com a sua vontade.
Em nome do social, dormem mal e, principalmente, desconhecem cada vez mais o significado real da palavra repouso.
Porque vivemos numa dimensão dual onde o tempo, de facto, nos condiciona e não estica, o "ninho" é frequentemente negligenciado, sendo mal tratado a todos os níveis. Subentenda-se como "ninho" o local sagrado onde nos regeneramos e consolidamos os nossos relacionamentos (connosco e com os demais elementos do nosso núcleo familiar).
E então que falar do sexo? Todos temos muitas opiniões, muitos conceitos, muitas expectativas e muita, mas mesmo muita fantasia. Primeiro, em relação a nós próprios, e de seguida arrastamos e incluimos quem está connosco nesses devaneios disparatados.
Exigimos muito ao outro, esperando que ele seja capaz de fazer aquilo que nós não somos. Acreditamos que amor à "primeira vista" é o mesmo que "química". Queremos entrar na sofisticação e requinte dos relacionamentos, sem termos passado pelo elementar "conheço-me?". Mais, queremos servir um jantar com 8 pratos, sem sabermos pôr a mesa para 1.
Fantasiamos sobre o sexo, iludidos sobre com o bombardeio de informações sobre o Tantra, o Taoismo e outras correntes filosóficas que nada têm de superficial. Imaginamo-nos num encontro de contorcionistas (impossível para a nossa anatomia), em orgasmos infindáveis, e noutras proezas radiciais. Mas, completamente destituidos de nós próprios.
A quantidade de filmes que vemos!
Que tal começar pelo príncipio? Comecemos por reconhecer o que somos, biológica e emocionalmente, para sabermos muito bem o que verdadeiramente queremos, o que nos faz felizes, o que preenche as nossas necessidades básicas. Percebermos os nossos padrões de dependência e de vazio estrutural. Conhecermos, genuinamente, o local e função de cada botão da engrenagem que somos. E isso envolve empenho, vontade e compromisso. Para não termos que chacinar o outro quando ele não nos (re)conhece, ou ainda quando nos pergunta "é aqui, querida?" e nós respondermos "hummm?!".
Bebendo o sencha e reflectindo...

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito interessante, Paulinha Shiva...

O que eu quero é paz e sossego. E, na verdade, mais horas para dormir, que eu reconheço-me como um cu de sono... LOL

Mas agora a sério, é verdade que só reflectindo sobre quem somos, primeiramente, é que chegamos à parte seguinte, do reconheço que é fulano ou sicrano que quero ter a meu lado. É uma epifania tão simples quanto é difícil de concretizar.

Porquê? Porque é que isso é difícil? É mesmo porque não paramos. Não paramos em casa, não paramos de andar de um lado para o outro, não paramos em nós...

Mas a gente aprende... Ó se aprende... :)