15/01/08

A Hierarquia do Prazer

Continuando a reflexão de ontem, trago agora uma outra Pirâmide: a do Prazer!
Vejamos:
O prazer é uma substância esquecida, nos processos evolutivos deste mundo, onde o registo é "crescer é sofrer". E nós acreditamos nisto, mesmo! Com registos de sofrimento como aferição da legitimidade da sua evolução, o Ser Humano avança no tempo da sua existência, projectando nos caminhos que percorre imagens de sangue, suor e lágrimas. Mal de tudo aquilo que não se consegue representar desta forma.
Bom, aí começamos a inventar. E o Ser Humano é altamente criativo!
O momento da refeição deverá ser um verdadeiro momento de prazer onde, sendo os alimentos cuidadosamente escolhidos e confeccionados, representará um deleite ao paladar, ao olhos, ao olfacto, para além do momento em que partilhamos alegrias, descobertas e ouvimos quem connosco a celebra. Com tanta coisa fantástica, como iremos convertê-la em sofrimento? Simples. Basta deitar a mão ao congelador e aquecer no microndas aqueles pacotes com misturas descoradas que, de sedutor, apenas têm a fotografia da embalagem, preferencialmente solitaria e rapidamente, sem nos sentarmos sequer à mesa (estranha-se? muitos de nós comportam-se desta forma!), tudo muito bem temperado com aquela dose de culpa em relação às calorias e às consequências delas. Compensaremos depois com umas valentes e sofridas horas no ginásio (veja-se que aqui o ginásio passou a ser sinónimo de sofrimento!).
Quanto ao repouso, que se revela no momento tranquilo e alegre do despertar, esse poderá sempre ficar para o próximo fim semana, no qual depois de nos deitarmos às 5 da matina ficaremos (pensamos nós) a recuperar o "sono perdido" até às 4 da tarde. Lógico, aí vem novamente a Sra. Culpa, porque às 4 da tarde, constatamos que acabámos de perder uma parte significativa do dia. Mas, tudo bem, recuperamos depois. Nem que seja com uma ajudinha! Além disso, deitarmo-nos a horas, dormirmos o tempo que o nosso corpo necessita e, sobretudo, acordarmos cedo para irmos fazer a tal caminhada, serão sempre tópicos importantes na nossa lista de prioridades anual.... para o ano!
Quanto ao sexo, bom, esse vem no final...
A segurança e harmonia de um tecto, podendo ser simples e modesto, deverá ser o motor da nosso conforto, no entanto permitimo-nos projectar um holograma sobre as fotografias de uma revista de decoração qualquer. Fantasiando e impedindo-nos de usufruir verdadeiramente aquilo que temos!
Uma saída na senda do prazer, contempla o equilibrio, a sensatez e muitas vezes a irreverência. Por isso, cada saída deveria ser fruto de reflexão cuidada e conjunta, de forma a espelhar a maior qualidade. É liberdade, nunca libertinagem. No entanto, fazemos gala de sair várias vezes por semana, com a nossa melhor indumentária, na procura do melhor papel de embrulho para o artigo que comprámos, desinteressadamente, na loja de conveniência da esquina, ou então aquela prendinha que nos ofereceram e que nós desejamos empandeirar para outro lado. Afinal de contas, o que conta mesmo "é a primeira impressão" (outra jóia das nossas programações sociais manipulativas e redutoras!) e o resto logo se vê.
Quanto à carreira, e porque ela é apenas uma das muitas esferas que nos movem, deveriamos atribuir-lhe o seu lugar, a sua função, a sua importância relativos e, sempre que insatisfeitos, darmo-nos a liberdade de mudar. Alto e pára o baile! Então quem é que paga o carro, a casa, os cartões de crédito (que tão confortavelmente nos mantêm em fantasias irreais), e a vida que não podemos ter mas que insistimos em plasmar das personagens da tv e das revistas? E, devemos bem saber, que estas, não existem! As coisas que despejamos sobre as nossas crias, para colmatar todos os outros ingredientes do Amor para os quais, "não temos tempo"?
E porque nos reconhecemos como Seres Humanos, poderemos dar-nos tempo para usufruir da vida, alegre e prazeirosamente, em liberdade. Chegando aqui, torna-se dificil, atendendo ao peso da culpa que se foi acumulando degraus acima. E lá se vai a auto-estima por água abaixo! Quando se olha para o passado, existe muita coisa estragada e desarrumada, coisas que não nos fazem falta. No entanto, se resolvemos tudo como poderemos correr para o colo da mãe, batermos o pé quando a vida não nos dá o que queremos ou até mesmo amuarmos? Não dá. Então, porque é dificil aguentarmos a pressão do nosso ambiente social, fingimos tratar desse assunto. Com estilo.
Se somos responsáveis e éticos, com espelhos de vida que reconhecemos como reflectores genuinos da nossa imagem, enveredamos no caminho da consciência, na satisfação que é subir os degraus da nossa evolução, nas descobertas, partilhas, alegria e prazer desse caminho. Mas não, é muito complicado dizermos "ora explica lá isso que eu não percebi!" ou "não posso avaliar porque a minha vida ainda não me apresentou esse desafio", não vão os outros confundir a nossa honestidade com falta de inteligência! Aqui, caimos no risco de "sentir" muito, com muitas cores, muito tudo. Acrescentamos ainda mais véus à nossa, já bastante carregada, "trajamenta"!
Todos estes ingredientes, atingem o pico máximo da revelação nos encontros amorosos, independentemente do nosso estado civil. Sim, porque na fotografia da vida os relacionamentos são de facto o revelador da obra de arte!
E na nossa suprema (in)consciência ainda temos a "lata" de divulgar e de nos vangloriarmos com a exposição fotográfica!
Estou exausta, sem dúvida nenhuma a via do prazer gasta muito menos energia!

3 comentários:

Anónimo disse...

A Pirâmide do Prazer...

Confesso uma coisa: exactamente porque gosto de ter prazer em comer, às vezes preferia que houvesse já comprimidos para substituir refeições...

Eu explico: porque também sofro do mal do corre-corre, lufa-lufa, dava-me jeito que o tempo esticasse. Como não estica, dava-me jeito suprir certas partes. Por exeplo, comer porque são horas e porque preciso de me alimentar para depois não desfalecer(que acontece quando não me apetece comer ou então, quando não posso comer descansada e prazenteiramente como desejaria). Aí, tomava umas pills e um copo de água e ficava toda contente. Até poder ir degustar um manjar com toda a calma do mundo. (não, e não seria para o ano seguinte). Hein?

E uma pergunta muito parva: então o Buda estava errado com essa coisa da vida ser um sofrimento?

Então e a liberdade não tem de se conjugar com responsabilidade(s)?

E não é isso difícil, vivendo no mundo actual, sendo que nós não somos ilhas (como já dizia o outro)?

Paula Rasteiro disse...

Amiga,
Obgd pelo teu pertinente comentário. Sempre benvindo.
Não posso deixar de responder:
1- A do ideia do sofrimento veiculada Siddartha Gautama (Buda)tem 2567 anos! A Consciência da Humanidade precisaria de passar pelas espirais experienciais próprias da sua dimensão. Com aquilo que evoluimos, já é tempo de passarmos a outros registos. Igualmente desenvolvidos por Buda: Amor, Compaixão e Alegria!
2 - Liberdade não é libertinagem. A responsabilidade é-lhe implícita.
3 - Essa de não sermos ilhas! É verdade, queremos ser todos continente (como individuos que pertencem a um grupo), esquecemo-nos frequentemente, e isto porque o processo foi-se entortando ao longo das eras da Terra, que para rectificarmos a postura grupal temos que desagregar o dito grupo e passar pelo famoso processo de individuação (como dizia tb o outro!). Só nos reconhecendo como individuos autónomos, livres e responsáveis, poderemos, um dia, alcançar a felicidade num grupo. Aliás, a suprema união só é possível alcançando esta Consciência. "Sê a mudança que queres ver no mundo" Mahatma Ghandi.
A propósito, já existem cápsulas com diferentes iguaria liofilizadas. Não é tão descabido o teu "pills e um copo de água", simplesmente não encaixa mto bem no conceito de prazer!
Namaste & milhões de beijinhos

Anónimo disse...

LOL!

Estou mais esclarecida! Às vezes sinto-me a andar em cima de pedrinhas num lago. E, de vez em quando, em vez de acentar o pé numa pedra, acento o pé nas costas de uma tartaruga. Pronto...Passemos a outros registos de Buda, então. Até gosto mais!
Quanto às pilulas de comida, lol, astronaut style, tenho de explorar... Prazer, prazer, tive ontem! Lombinho de porco com salada divinal e amigos. Maior prazer culinário não há! :)

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